quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Mensalão e a Crise de Representatividade na Democracia Liberal

Leonardo Matos
09 de Agosto de 2012

Temos observado nos últimos tempos muitos textos tratando sobre o julgamento do famigerado “mensãlão”, iniciado no começo deste mês pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria dos artigos está focada principalmente nos aspectos morais envolvidos nessa questão. Muito se fala na luta contra a corrupção e em utilizar este julgamento como exemplo e marco na história do Brasil.

Nada mais justo, positivo e necessário, tendo em vista que, como eu mesmo já citei em outros textos, ver um ex-ministro da Justiça defendendo criminosos, corruptores e contraventores de toda espécie é uma afronta aos mais básicos valores de justiça que, um dia, este homem representou. Mas, deixo aqui os tratados sobre a corrupção e a moralidade para aqueles que já o escreveram com tanta propriedade desde que tiveram início os trabalhos no STF.

Quero tratar o assunto sob outra ótica. Pretendo demonstrar como essa democracia burguesa liberal, do sufrágio universal, geral situações de tão pouca representatividade democrática verdadeira. No atual sistema, situações como a do “mensalão” tornam-se quase necessárias para que haja algum nível de governabilidade em um país fragmentado em partidos.

De uma maneira simplória, podemos definir o “mensalão” como uma manobra do auto-denominado “Partido dos Trabalhadores” para garantir ao então Presidente da República, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um nível mínimo de governabilidade para a condução da nação, comprando através de depósitos mensais, o apoio dos partidos de maior representatividade no Congresso Nacional.

AAo interpretar esse quadro sob uma ótica integralista, concluímos algo que já era apontado desde a década de 1930 por Plínio Salgado e pelos demais intelectuais integralistas: os partidos são instituições falidas, que não cumprem a função de representar o povo dentro do parlamento. No próprio Manifesto de Outubro de 1932 pode-se ler a respeito dos partidos:

“(...)Civis e militares giram em torno de pessoas, por falta de nitidez de programas. Todos os seus programas são os mesmos e esses homens estão separados por motivos de interesses pessoais e de grupos. Por isso, uns tramam contra os outros(...)” [1]

Hoje, mais do que nunca, não podemos mais definir com clareza o lineamento doutrinário dos partidos políticos (vide a aliança entre Haddad e Maluf, que já foi objeto de comentário deste autor em outro texto) e, consequentemente, não conseguimos mais identificar a quem os partidos estão representando no Congresso Nacional (na verdade, acabamos por entender que eles representam apenas interesses próprios de seus membros).

Existem muitos autores, mesmo não integralistas, que já escreveram sobre a falência da instituição partidária, ao menos da forma que está organizada atualmente, como ferramenta de representação dos interesses da população. Bernard Manin, cientista político francês, descreveu da seguinte maneira esse quadro de falência dos partidos como ferramentas de representação do eleitorado:

“(...)Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum. Até pouco tempo atrás, as diferenças entre os partidos pareciam um reflexo das clivagens sociais. Mas hoje tem-se a impressão que são os partidos que impõem à sociedade clivagens, cujo caráter "artificial" é lastimado por alguns observadores. No passado, os partidos propunham aos eleitores um programa político que se comprometiam a cumprir, caso chegassem ao poder. Hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa, em vez disso, na construção de imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes. As preferências dos cidadãos acerca de questões políticas expressam-se cada vez mais freqüentemente por intermédio das pesquisas de opinião e das organizações que visam fomentar um objetivo particular, mas não têm a intenção de se tornar governo. A eleição de representantes já não parece um meio pelo qual os cidadãos indicam as políticas que desejam ver executadas. Por último, a arena política vem sendo progressivamente dominada por fatores técnicos que os cidadãos não dominam. Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre o governo e a sociedade, entre representantes e representados, parece estar aumentando.” [2]

Assim, diante dessa perda de função dos partidos políticos, que perderam a confiança das pessoas, os partidos perderam qualquer vínculo doutrinário e qualquer compromisso de representação com qualquer classe ou grupo natural da sociedade. Essas instituições tornam-se clubes particulares que representam apenas seus próprios membros.

Sem ideais, sem compromisso de representação, o apoio ou a oposição às medidas tomadas pelo governante da nação deixam de ser uma questão de exercício democrático de convicções, mas simplesmente uma ferramenta de troca de vantagens, de cargos ou, como no caso do “mensalão”, de compensação financeira.

Toda e qualquer democracia deve conter em si as ferramentas para que as pessoas sejam efetivamente representadas no parlamento. Todos os grupos naturais que integram a sociedade devem ter representantes que façam valer suas necessidades e suas opiniões dentro de um parlamento democrático. O apoio ou a oposição às medidas que um governo adota devem ser algo intimamente ligado às necessidades dos grupos sociais, e não objeto de negociata. Infelizmente, na democracia burguesa liberal em que estamos inseridos, a própria estrutura do sistema impede que esse quadro ideal se torne realidade.

Por outro lado, a democracia proposta pelo integralismo, estruturada em bases orgânicas, com a representação firmada sobre pilares sólidos, que são os órgãos de representação das classes profissionais e de grupos naturais da sociedade, seria um fator decisivo para transformar o Congresso Nacional em uma instituição que efetivamente representasse os interesses e necessidades das forças vivas da nação. Descreve assim o manifesto integralista:

“(...)a Nação precisa de organizar-se em classes profissionais. Cada brasileiro se inscreverá na sua classe. Essas classes elegem, cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nos Congressos Provinciais e nos Congressos Gerais. Os eleitos para as Câmaras Municipais elegem o seu presidente e o prefeito. Os eleitos para os congressos Provinciais elegem o governador da Província. Os eleitos para os Congressos Nacionais elegem o Chefe da Nação, perante o qual respondem os ministros de sua livre escolha(...)” [3]

Com os congressistas vinculados aos interesses e anseios das classes e grupos a que estão ligados e não ligados a interesses de partidos vazios e sem ideais, o parlamento não mais seria um local onde o apoio político poderia ser comprado, mas onde esse apoio deveria ser conquistado a medida que um governo adotasse medidas em prol dos grupos naturais que são a base da nação.

Não somos materialistas e, portanto, sabemos que uma mudança meramente material na estrutura da democracia brasileira não seria, por si só, suficiente para resolver os problemas que afligem nossa nação. Como espiritualistas, acreditamos que o espírito humano é anterior a matéria e que qualquer mudança real e duradoura deve ser feita primeiro nas consciências humanas, o que projetará a mudança no campo material. No entanto, em paralelo com a revolução interior, uma reconstrução radical na estrutura do processo de representação no Brasil, seria de grande valia para a reconstrução da nação.






[1] Ação Integralista Brasileira. Manifesto de Outubro de 1932. Cap. VI.
[2] MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 29. p.1. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/ rbcs_00_29/rbcs29_01.htm.
[3] Ação Integralista Brasileira. Manifesto de Outubro de 1932. Cap. II.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Lula e Maluf: As Contradições da Política Materialista

Leonardo Matos
20 de Junho de 2012

A concepção espiritualista do Universo, adotada pela Doutrina Integralista, defende que o Ser Humano tem uma finalidade transcendental. A vida humana existe, ao mesmo tempo, com objetivos materiais imediatos e com finalidades sobrenaturais transcendentes, que estão além do mundo material e que devem influenciar a conduta dos homens enquanto andam sobre a Terra. O homem está na terra para buscar seu auto-aperfeiçoamento, o que lhe propiciará uma existência melhor após sua passagem neste plano material.

Por outro lado, a consideração materialista do Universo resulta, em última análise, na falta de sentido para a existência do Ser Humano. Quando se considera o Ser Humano simplesmente como uma máquina biológica, um amontoado de átomos e moléculas, o sentido da existência torna-se, darwinisticamente, o da disputa pela sobrevivência.

Da mesma maneira que essa dicotomia se manifesta na questão da finalidade da vida humana, se manifesta também nas finalidades das atividades humanas, como a política. A atividade política está intimamente ligada com a concepção de Universo adotada por uma sociedade. Como escreve Plínio Salgado na primeira página do livro Quarta Humanidade:

“A concepção do Estado e da Sociedade está ligada à concepção do próprio Universo (...). É do sentido das finalidades humanas que procede o pensamento da organização social. É do pensamento da organização social que decorre a orientação política, com influência, por sua vez, da Sociedade e no Estado.” [1]

A política, inserida na concepção espiritualista do universo, torna-se ferramenta para que os Seres Humanos possam trabalhar para melhor atingir suas finalidades sobrenaturais. Nesse contexto, os objetivos políticos imediatos devem vincular-se necessariamente ao objetivo maior da vida humana, que se encontra fora dela. As atitudes humanas então, inclusive no campo político, devem possuir uma vinculação coerente com a ética, o que lhes propicia o auto-aperfeiçoamento.

No entanto, no contexto materialista da história, onde a vida humana perde sua finalidade transcendental, a política perde também sua finalidade superior, passando a ser simplesmente a “arte de manter-se no poder”, uma disputa darwiniana pela sobrevivência política. Assim, de mera ferramenta, a atividade política passa a ser fim em si mesmo e os objetivos imediatos da política são apenas aqueles relacionados com a própria atividade política. A manutenção do poder figura como principal meta da atividade política no contexto materialista. É interessante ler outra passagem do livro Quarta Humanidade para observar o que escreveu Plínio Salgado sobre esse a ausência de finalidade:

“A atitude antifinalista das filosofias burguesas criou o grande sentido de abstenção, de comodismo fatalista e de conformismo estóico. Impossibilitada de viver sem a contribuição do espírito, que é uma das três manifestações essenciais do homem, essa civilização criou, como impulsionadores da marcha política, pobres fetiches e deuses débeis, que deveriam coonestar vagos princípios de moralidade, de harmonia social. A religião da Humanidade de Comte ou a filantropia do pragmatismo americano não passam de superstições destinadas a substituir o elemento espiritual abandonado”. [2]

Infelizmente a realidade que nos cerca atesta de forma melancólica essa dicotomia. Nossa civilização materialista é de forma cada vez explícita a realização dos princípios materialistas levados às últimas consequências, em todos os campos, principalmente no campo político.

O modelo idealizado de partido político é aquele que reúne um grupo de pessoas de pensamento semelhante, com um projeto para a construção da Nação e com princípios e diretrizes definidas para atingir um objetivo de bem social. Na época da criação dos sistemas partidários, acreditava-se que os partidos poderiam conduzir os cidadãos ao poder. Desta forma, seria natural que existissem diferentes partidos, sob óticas ideológicas diferentes e que se colocassem em oposição, travando um debate sadio para o progresso do pensamento político de uma nação.

Infelizmente, a concepção materialista do Universo, que esvazia de sentido a vida humana e transforma a atividade política na habilidade de manter-se no poder, faz com que esse modelo idealizado de organização partidária perca também seu valor. Os partidos e as ideologias, dentro da concepção materialista, são meros instrumentos para que se atinja objetivo único, que é o poder.

No Brasil, isso vem sendo demostrado de forma cada vez mais explicita e ultrajante. Foi veiculada recentemente a noticia da aliança entre o (auto intitulado) Partido dos Trabalhadores (PT), do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva e o Partido Progressista (PP), do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. E para provocar ainda mais a perplexidade de todos, os dois personagens aparecem juntos em uma foto, ao lado do pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, em aparente harmonia.[3]

Aos que adotam uma concepção espiritualista e coerente do mundo e da política, a contradição desta aliança é evidente. Enquanto Maluf era filiado à ARENA, nos tempos do regime civil-militar de exceção, Lula era um sindicalista de extrema esquerda, fundador do PT e opositor do regime então vigente. Após a redemocratização, o aparente antagonismo político entre os dois personagens da política brasileira continuou, sendo demonstrado em diversas disputas e debates eleitorais de forma firme e contundente.

Porém, as ideologias materialistas não têm esta coerência lógica que faria sentido para a maioria das pessoas. O fictício antagonismo político-ideológico entre o Sr. Maluf e o Sr. Lula serviu por muito tempo mas, agora não lhes serve mais. Serviu até o preciso momento em que a aliança tornou-se mais vantajosa para a obtenção e manutenção do poder.

Eles mesmos admitem, de maneira absurdamente cínica, esse fato. Para o presidente nacional do PT, Rui Falcão, não há constrangimento no apoio de Maluf: - "Há 12 anos éramos rivais e hoje somos aliados". Falcão disse ainda que "o Brasil mudou, mudou o eleitorado e mudaram os partidos que resolveram apoiar nosso projeto nacional, como é o caso do PP." [4]

É notório e escancarado que, justamente pelo fato de o objetivo principal da política materialista ser a tomada e a manutenção do poder, é que as mudanças no Brasil fazem com que alianças ideologicamente antagônicas sejam fechadas. É o materialismo político coroado e elevado como à modus operandi.

As contradições da política materialista não se resumem aos seus personagens midiáticos. Até mesmo nos bastidores a promiscuidade ideológica decorrente dos princípios materialistas é vista com naturalidade. Um exemplo disso é o professor de sociologia da Universidade de São Paulo, o Sr. Ricardo Musse, o qual ministra aulas de sociologia marxista e participa da elaboração do programa de governo do candidato petista Fernando Haddad. Ele disse a um jornal de grande circulação em São Paulo que “o tempo de TV do PP é relevante e que não tem importância a foto com o aperto de mão entre Maluf e o ex-presidente Lula, ao lado do pré-candidato do PT.“ Nada mais coerente sob a ótica materialista: se o poder é o objetivo final, o tempo na TV é mais importante do que a ideologia e a história política dos partidos e dos personagens.[5]

Nós, espiritualistas, Integralistas, temos a plena consciência de que estas contradições aparentes da política brasileira são apenas o resultado inevitável e lógico da adoção da concepção materialista do Universo, da vida humana e da atividade política. Quando não existe um fim superior para a vida humana, nenhuma atividade humana possui também finalidades superiores. A política torna-se apenas uma rede de tramas e conchavos visando a obtenção e a manutenção do poder. Esses fatos apenas nos renovam a tranquilidade de estarmos lutando nas trincheiras certas, por objetivos nobres, pela política ética fundada em princípios doutrinários inegociáveis. Por fim, nunca é demais transcrever o capitulo VI do clássico Manifesto Integralista de 1932, que já nos direcionava ao caminho da ética:

“Declaramo-nos inimigos de todas conspirações, de todas as tramas, conjurações, conchavos de bastidores, confabulações secretas, sedições. A nossa campanha é cultural, moral. educacional, social, às claras, em campo raso, de peito aberto, de cabeça erguida. Quem se bate por princípios não precisa combinar cousa alguma nas trevas. Quem marcha em nome das idéias nítidas, definidas, não precisa de máscaras. A nossa Pátria está miseravelmente lacerada de conspiratas. Políticos e governos tratam de interesses imediatos, por isso é que conspiram. Nós pregamos a lealdade, a franqueza, a opinião a descoberto, a luta no campo das idéias. As confabulações dos políticos estão desfibrando o caráter do povo brasileiro. Civis e militares giram em torno de pessoas, por falta de nitidez de programas. Todos os seus programas são os mesmos e esses homens estão separados por motivos de interesses pessoais e de grupos. Por isso, uns tramam contra os outros. E, enquanto isso, o comunismo trama contra todos. Nós pregamos a franqueza e a coragem mental. Somos pelo Brasil Unido, pela Família, pela Propriedade, pela organização e representação legítima das classes; pela moral religiosa; pela participação direta dos intelectuais no governo da República; pela abolição dos Estados dentro do Estado; por uma política benéfica do Brasil na América do Sul; por uma campanha nacionalista contra a influencia dos países Imperialistas, e, sem tréguas, contra o comunismo russo. Nós somos a Revolução em marcha. Mas a revolução com idéias. Por isso, franca, leal e corajosa.”[6]




[1] SALGADO, Plínio. Quarta Humanidade. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 17.
[2] SALGADO, Plínio. Quarta Humanidade. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 98.
[3] veja.abril.com.br/noticia/brasil/pp-sela-apoio-a-haddad-em-sp - acessado em 20/06/2012.
[4] www.redebrasilatual.com.br/temas/politica/erundina-reage-mal-a-alianca-de-haddad-com-maluf-e-quer-desistir-de-ser-vice - acessado em 20/06.2012.
[5] www1.folha.uol.com.br/poder/1107563-intelectuais-ligados-a-pt-se-calam-sobre-alianca-com-maluf.shtml - acessado em 20/06/2012
[6] Ação Integralista Brasileira. Manifesto de Outubro de 1932. Cap. VI.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Integralismo, Revolução Interior e Atitude Cotidiana

Leonardo Matos
08 de Junho de 2012

É comum aos Integralistas meditar sobre a degradação moral que vitimou nossa sociedade com a adoção massiva de paradigmas materialistas na construção da vida política, social e até dos nossos conceitos filosóficos. Diante do que vemos, nos perguntamos: Onde está a Quarta Humanidade que faria a grande síntese das idades humanas, rumo à um futuro ético, moral e organizado? Onde se esconde o Homem Integral de que nos falou Plínio Salgado?

Infelizmente não encontraremos estes homens liderando a nação, em nosso governo, em nosso parlamento ou em nossos tribunais. Pelo contrário, o que observamos nesses lugares são atitudes absurdas como a do ex-ministro da justiça, o Sr. Márcio Thomaz Bastos que, após exercer o cargo mais importante do poder judiciário nacional, representando os mais altos ideais de justiça e legalidade da nação, teve a coragem mórbida de tornar-se advogado, em uma comissão parlamentar de inquérito, do Sr. Carlos Augusto de Almeida Ramos, mais conhecido como “Carlinhos Cachoeira”, um contraventor e corruptor, que personifica justamente o inverso de tudo qua a noção de justiça representa.

Muitos dirão, “ele é advogado e está em seu direito de trabalhar”; outros falarão, “qualquer homem tem direito a uma defesa justa e profissional quando é acusado”. Certamente, mesmo o mais cruel assassino tem direito a um julgamento justo e uma defesa jurídica eficaz. No entanto, não podemos considerar moral, ético, nem mesmo aceitável, um homem que a pouco tempo integrava a cúpula da justiça brasileira, defender um cidadão que está sendo investigado justamente por manter relações sombrias com integrantes dos poderes constituídos e auxiliar na corrupção dos “líderes” da nossa nação. E este é apenas um caso, dos mais recentes. Estou certo de que o leitor se lembrará de muitos outros.

Infelizmente assistimos hoje à muitas destas líderanças negativas. Temos pessoas com degradação ética, espírito frio e mentalidade genuinamente materialista governando a nação e guiando as massas desesperadas nas quais nosso povo se transformou. O brasileiro segue estas pessoas, não por crença em sua liderança ou em sua capacidade de mudança, mas por não lhe é apresentada outra opção; não lhe é apresentada outra forma de viver e de enxergar o mundo.

Onde então estes bons homens e mulheres então? Asseguro-lhes, caros amigos, para encontrá-los devemos olhar pra dentro! Para dentro de nossos núcleos e de nossas casas. Somos nós estas pessoas, e já é hora de assumir o nosso papel. Nosso povo precisa desesperadamente de bons lideres e nós devemos liderar nossos compatriotas de forma positiva.

Estamos acuados por uma civilização materialista, é verdade; adormecidos, diante do bombardeio de imoralidade e descrença que nos ataca e nos rodeia todos os dias. Mas o escudo do integralismo é forjado pelos golpes de seus inimigos! Como disse Plínio Salgado, “Indiferente à todos os martírios, [o integralismo] prossegue. Quanto mais o caluniarem, mais crescerá”. [1]

Mas em que consiste a nossa liderança positiva? O caminho mais eficaz é a ascendência moral sobre a maioria das pessoas. E a maneira mais sólida e mais acessível de demonstrar essa ascendência moral é o exemplo. O exemplo arrasta. Temos de buscar ser o ideal de ética e retidão de conduta que defendemos e propagandeamos.

Façamos de nossa doutrina um sacerdócio, em todas as áreas de nossa vida. Nossa conduta ética e moral diferenciada será um grito ensurdecedor para os nossos compatriotas, perdidos em meio a uma sociedade de valores degenerados. Vivamos a vida para a qual desejamos conduzir nosso povo e tenho certeza que será uma grata surpresa o numero de irmãos que nos imitará e nos seguirá. Plínio Salgado ja nos mostrou esse caminho quando escreveu o Manifesto Diretiva de 1945:

“Sob esse aspecto, sempre o denominamos [o integralismo] ‘revolução interior’, isto é, esforço de aperfeiçoamento de nossas almas. O integralista não somente tem o dever de ser bom pai, bom filho, bom esposo, bom irmão, bom amigo, bom profissional, bom patriota, mas deve procurar influir para que outros o sejam e o exemplo que der será o melhor dos convites.“[2]

Não existe nada que incomode mais um canalha do que uma pessoa íntegra, que aplica seus valores éticos em cada aspecto de sua vida cotidiana. A fé inquebrantável no que é correto e no futuro do Brasil, a consciência de sua espiritualidade direcionada para a nobreza, são atitudes que ferem de morte àqueles que já se deixaram degenerar pela civlização materialista.

Um fator que facilmente diferenciará o Homem Integral é a ponderação. Ponderação é um elemento sem o qual a liderança Integralista não será completa. Essa ponderação é que nos leva a tratar todos os homens com justiça, mesmo os nossos inimigos. É ela que nos faz pensar antes de manifestar uma opinião, escapando das armadilhas que armam para nos denegrir. Palavras mal colocadas em uma discussão podem ser uma grande arma para nossos oponentes.

Tenhamos em mente que não é fácil remar contra a maré. Uma maré que hoje arrasta ao comodismo, à imoralidade e à falta de ética na relações humanas. Mas são justamente essas fortes marés, que arrastam multidões aos valores degenerados do materialismo, que revelarão ao mundo que somos diferentes, pois permaneceremos em pé, onda após onda. Como Daniel, que foi jogado na cova dos leões e saiu ileso, nós sairemos também ilesos dessa cova de leões em que o materialismo transformou nossa sociedade.

O Mestre Jesus disse que as boas árvores seriam identificadas pelos seus frutos. Tornemos-nos então facilmente identificáveis! Com nossas atitudes, mostraremos o contraste inegável entre a civilização materialista, que ai está, e civilização espiritualista que queremos construir. Será esta a maior legitimidade de nossa liderança.

Por fim, devemos admitir que estamos também mergulhados nesse oceano de materialismo que cerca à todos, e somos, as vezes, influenciados por ele. No entanto, a maior virtude é a busca constante pelo aprimoramento moral, pelo auto-aperfeiçoamento, pela santidade. Muitas vezes nos surpreenderemos em condutas que podem parecer incoerentes ou incorretas, afinal somos humanos. Nesses momentos devemos ter a humildade de crescer, mudar e dar mais um passo em nossa Revolução Interior, para nos tornarmos cada vez mais Homens Integrais.

Batamo-nos então por nosso aprimoramento moral, ético e espiritual, e dessa forma, inevitavelmente lideraremos o nosso povo rumo ao futuro e à vitória.




[1] SALGADO, Plínio. Integralismo Perante a Nação. 2ª ed. In Obras Completas. 1ª ed., vol. IX. São Paulo: Editora das Américas, 1955, p. 382.
[2] SALGADO, Plínio. Integralismo Perante a Nação. 2ª ed. In Obras Completas. 1ª ed., vol. IX. São Paulo: Editora das Américas, 1955, p. 379.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Cosmovisão Integralista

Leonardo Matos
04 de Junho de 2012

Introdução

Como já é usual, inicio este artigo frisando ao leitor, seja ele integralista ou não, que não pretendo falar em nome de todo o movimento integralista, nem em nome de suas organizações contemporâneas. Exprimo aqui a minha profunda interpretação da Doutrina do Sigma, e deixo aos milhares de integralistas pelo Brasil a missão de julgar se as idéias aqui contidas são condizentes com a nossa filosofia.

No dicionário, Cosmovisão é um “sistema de idéias e sentimentos acerca do universo e do mundo; concepção do mundo.” Desta maneira, pretendo apresentar aqui a Cosmovisão que a Filosofia Integralista adota e que é o norte para os seus posicionamentos políticos e sociológicos.

O integralismo é bem mais que uma ideologia política. É um movimento filosófico que propôe uma concepção de universo própria e que, a partir dela, constrói a sua estrutura ideologica nos campos político e sociológico. A Cosmovisão Integralista parte de um pressuposto básico: a preeminência do espírito sobre a matéria; a Concepção Espiritualista do universo e consequentemente da história humana.

Para compreender a concepção integralista, precisamos compreender também a sua antítese, a concepção materialista do universo, a qual adota um pressuposto inverso: as contingências materiais determinam a consciência humana e a história da humanidade.

Ao estudar a doutrina integralista é importante compreender como a adoção de um ou de outro ponto de vista, influencia os rumos da humanidade e porque é decisiva para determinar o papel que o Ser Humano assume na marcha histórica.

A Concepção Materialista do Universo

A concepção materialista do universo determina que tudo é matéria e todas as coisas são consequências das contingências materiais. O materialismo faz da realidade à nossa volta uma simples combinação de movimentos dos átomos e moléculas, sendo a consciência, a personalidade, os sentimentos, os instintos, a vontade, etc, meros resultados destas combinações. Como escreveu Plínio Salgado, o materialismo pressupôe que “no começo existiu apenas a matéria, depois veio a vida, finalmente a ideia e, em ultimo plano, o espírito, o qual não passa de um clarão da matéria”.[1]

O reflexo desta concepção, no campo filosofico (e consequentemente no político), é a certeza de que as condições materiais determinam as construções da consciência humana e que o Ser Humano se subordina à leis materiais que ele não pode controlar, as quais atuam inclusive na marcha histórica da humanidade.

Negando a preeminência da consciência sobre a matéria, nega-se a possibilidade da consciência humana interferir na macha histórica, relegando o Ser Humano ao papel de assistente impotente dos acontecimentos históricos. É, em ultima análise, como citou Plínio Salgado o reconhecimento da “incapacidade de ação da inteligência humana em face do desenvolvimento cego das forças materiais da sociedade”. [2]

O materialismo nega a existência de finalidade à vida humana. Ao considerar o Ser Humano como um conglomerado de átomos, que se organizam em moléculas para originar as proteínas que dão base à vida, a visão materialista nega que a existência do Ser Humano tenha alguma finalidade superior. Dentro dessa concepção, o “animal humano”, sem finalidade, torna-se uma espécie mecânica e vazia de sentido, cujo único objetivo é o de transmitir seus genes às gerações futuras, em um quadro melancolicamente darwiniano.

A Civilização construída sobre as bases materialistas

Se costuma falar em Civilização Cristã para designar a sociedade ocidental. Isso, no entanto, deixou de ser uma realidade. Após mais de dois séculos de propaganda e agenda materialista no ocidente, não se pode mais se falar em Civilização Cristã ou em Sociedade de Bases Espiritualistas. O que existe hoje é uma civilização materialista na qual, mesmo os fenômenos religiosos, não atuam no sentido de reformar o Ser Humano sendo, muitas vezes, mais uma manifestação do capitalismo desenfreado. Podem sim existir focos de espiritualidade, porém não se pode mais falar em Civilização Cristã ou mesmo em Civilização Espiritualista que ainda possa “ser salva”.

A atual “civilização” ocidental já não tem quase nada de cristã ou de espiritualista, e é contra ela que o integralismo se levanta. Trata-se de uma sociedade extremamente materialista e capitalista, proveniente do espírito burguês individualista. Foi construída sobre os pilares do interesse e do egoísmo. Não é mais uma Civilização em seu sentido superior, cultural ou espiritual. Tornou-se uma supervalorização do sistema econômico, formando oligarquias mal intencionadas, monopólios econômicos destrutivos e conglomerados de grandes corporações sem pátria que utilizam a mídia de massa para propagar seus valores.

Plínio Salgado escreveu, no livro “Espírito da Burguesia” sobre essa mentalidade burguesa que hoje permeia todas as classes e setores da nossa sociedade. Eu suas palavras:

“O espirito da burguesia vive em tôdas as classes. Está na classe média, tão forte como nos círculos sociais dos ricos; está na própria alma do proletariado, quando se deixa penetrar pelos argumentos materialistas, que embasam a vida humana em nossos dias. À esse espírito chamamos hoje de ‘burguesismo’ pelo fato de ser a burguesia quam comanda os rumos disso à que temos convencionado chamar de civilização.” [3]

E o fundador da filosofia integralista completa dizendo: “como adversário leal e franco da doutrina marxista, ouso dizer que o comunismo não é o mal do século, porque antes dele existe um outro mal, de que ele se origina. Esse mal é o espírito burguês”. [4]

Sob esse ponto de vista, não podemos nem mesmo rotular o Integralismo como “conservador”, ao menos não no sentido político da palavra, pois a doutrina do sigma não pretende conservar os valores materialistas dominantes; não objetiva a conservação de um sistema capitalista opressor nem de governos corruptos que agem contra os interesses, as necessidades e os valores de seu próprio povo.

Nesse aspecto, o Integralismo jamais foi “conservador” mas sim revolucionário, e no sentido mais profundo da palavra. Não se levantou contra um sistema político ou econômico, se levantou contra a própria Concepção de Universo que originou todos os sistemas políticos e econômicos que conhecemos.

A Cosmovisão Integralista

A dicotomia existente nos dias de hoje, não é a artificial dicotomia da “direita” contra a “esquerda”, nem tampouco o embate entre “comunistas” e “capitalistas”, posto que essas dicotomias são meras criações da mesma Civilização Materialista. A dicotomia reconhecida na Cosmovisão Integralista é a dicotomia entre a “concepçao espiritualista” e a “concepção materialista” do universo. Aliás, Plínio Salgado foi claro ao nos apontar qual é a real dicotomia existente em nosso mundo. Ele escreveu:

“Chamaremos, para caracterizar de maneira mais clara, ‘espiritualistas’ à todos que consideram o Homem como um Ser composto de corpo e alma, com uma finalidade extraterrena, que cumpre atingir mediante finalidades terrenas, as quais, por conseguinte, não passam de meios adequados e indispensáveis para a obtenção do objetivo, relacionado com o fim último. E chamaremos de ‘materialistas’ a quantos considerem o homem segundo um, ou alguns dos seus aspectos relativos à temporalidade da sua existência terrena, com exclusão de tudo o que ultrapassa o espaço de uma limitada trajetória meramente biológica.” [5]

Em rebelião contra a escravização do Homem, sob o jugo das forças materiais, que arranca do Ser Humano o seu potencial criativo e transformador, o Integralismo brasileiro afirma a preeminência da Consciência Humana e do Espírito sobre a Matéria. Afirma a capacidade do Ser Humano criativo de alterar a marcha da história. Reconhece as contingências temporais da matéria, mas coloca a consciência como o fator determinante da realidade; estabelece a dualidade entre materia e espírito e a coloca sob o comando da criatividade da consicência.

A Cosmovisão Integralista vai além, defende que o Ser Humano é uma entidade dotada de “caractéres materiais, intelectuais e espirituais” [6], e que tem sua origêm em uma Consicência Superior, nela também encontrando a sua principal finalidade. Possuindo uma finalidade transcendente, que demanda do Ser Humano um empenho temporal no sentido de auto aperfeiçoamento, ou de “busca da santidade”, como diria a tradição cristã, o Homem se liberta da escravização que a matéria lhe impõe. Nesse contexto, todas as atividades humanas, incluindo a política, adquirem novos delineamentos e significados.

Ao afirmar a precendência do espírito sobre a matéria, consequentemente se considera o Ser Humano como anterior ao Estado e às construções sociais. Assim, a sociedade e o Estado são considerados manifestações da criatividade Humana e, como tal, devem servir ao Ser Humano.

A Cosmovisão Integralista considera que o Ser Humano é um Ser dotado de liberdades naturais, proveniêntes de sua própria essencia espiritual e não-material. Possui uma finalidade, a qual transcende as contigências materiais. Assim, consciênte de suas finalidades e consciênte também de que o Estado é uma manifestação de sua criatividade, o Ser Humano pode, de forma madura, construir um Estado ético, que não constitui um fim em si mesmo, mas uma ferramenta temporal a serviço de todos os Seres Humanos livres, para que possam atingir a sua finalidade superior.

Portanto, o Integralismo representa essa guinada corajosa nos destinos do povo brasileiro e da humanidade. Essa é a Cosmovisão Integralista da qual se conclui a suprema missão dos adeptos do Sigma. Como disse Plínio Salgado: “Em meio ao tropel cambaleante de um mundo que morre, escutamos já nitidamente os passos da Quarta Humanidade”. [7]







[1] SALGADO, Plínio. Quarta Humanidade. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 92.
[2] SALGADO, Plínio. Quarta Humanidade. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 63.
[3] SALGADO, Plínio. Espírito da Burguesia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1951, pp. 7-8.
[4] SALGADO, Plínio. Espírito da Burguesia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1951, p 10.
[5] SALGADO, Plínio. Espírito da Burguesia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1951, pp. 60-61 .
[6] SALGADO, Plínio. Quarta Humanidade. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 110.
[7] SALGADO, Plínio. Quarta Humanidade. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 79.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Integralismo e o Sistema de Voto Distrital

Leonardo Matos
São Paulo, 28 de Maio de 2012

Introdução

Antes de iniciar este artigo é importante salientar ao leitor, seja ele adepto da doutrina do sigma ou não, que não se pretende aqui falar em nome do movimento integralista nem em nome das suas organizações contemporâneas. O que se pretende é explicar o posicionamento do autor em relação à compatibilidade entre o voto distrital e os princípios de democracia orgânica que permeiam a doutrina integralista.

O Integralismo é uma filosofia democrática. A democracia integralista, no entanto, não é a democracia liberal, cuja fragilidade faz com que seja seqüestrada pelos grupos detentores do capital. A democracia integralista não resume o Ser Humano, unicamente ao seu aspecto cívico de eleitor, somente à época das eleições.

A democracia integralista é a chamada Democracia Orgânica, descrita de forma simples no manifesto de outubro. Antes de compreendermos por que o integralismo pode ser simpático ao voto distrital, devemos compreender o que é a Democracia Orgânica e a visão orgânica da sociedade.

A visão orgânica da sociedade

A visão orgânica da sociedade pressupõe que a sociedade é semelhante a um organismo vivo, cujos órgãos autônomos funcionam de forma a complementarem-se para o seu funcionamento pleno. Como em um corpo humano, que possui órgãos diferentes entre si funcionando de maneira harmônica e complementar, possibilitando a existência saudável do organismo, a visão orgânica da sociedade pressupõe que diferentes órgãos, os chamados Grupos Naturais, diferentes entre si, trabalham de maneira harmônica e complementar para o funcionamento saudável do organismo social.

Esses Grupos Naturais não são um simples somatório das características pessoais dos indivíduos que os integram, são novas manifestações, com características únicas. Emile Durkheim, sociólogo francês, tratou dessa diferenciação entre o individuo e o grupo social à que pertence quando escreveu que “o grupo pensa, sente e age de um modo muito diferente do que o fariam os seus membros se acaso estivesse isolados” [1]. Assim como a molécula de água possui características únicas, que não são as mesmas dos átomos de hidrogênio e oxigênio, os Grupos Naturais são entes sociais únicos, cujas características lhe são próprias e independentes dos indivíduos que os compõe. O estudioso francês foi alem:

“a sociedade não é uma simples soma de indivíduos; o sistema formado pelas associações destes representa uma realidade específica, que tem suas características próprias. Sem dúvida, nada se pode produzir de coletivo se não houver consciências particulares; mas essa condição necessária não é suficiente. É necessário que essas consciências se associem, se combinem, e se combinem de certa maneira; é desta combinação que resulta a vida social e, por conseguinte, é essa combinação que á explica. Ao agregarem-se, ao penetraram-se, ao fundirem-se, as almas individuais dão origem à um ser, psíquico se quiser, mas que constitui uma individualidade psíquica de novo gênero. É portanto, na natureza desta individualidade, e não na das unidade componentes, que se deve procurar as causas próximas e determinantes dos fatos que nela se produzem.”[2]

Adotando a visão orgânica da sociedade no contexto da representação democrática, encontramos um esboço do conceito de Democracia Orgânica: representação baseada nos Grupos Naturais. A democracia orgânica busca representar o individuo pelo Grupo Natural a que pertence, e com o qual ele possui a sua identificação no corpo social. O individuo, ao compartilhar características semelhantes com os demais, dentro do seu Grupo Natural, passa a ter necessidade de representação atrelada àquele grupo.

Grupos Naturais na Doutrina Integralista

Compreendida a visão orgânica da sociedade e como ela se relaciona com a questão da representatividade, podemos entender por que os integralistas podem ser simpáticos ao sistema de voto distrital. Precisamos, no entanto, entender primeiro quais são os Grupos Naturais, componentes do nosso organismo social, sob a ótica da doutrina integralista.

Plínio Salgado apontou alguns Grupos Naturais básicos, nos quais os indivíduos efetivam a sua participação na vida social: a Família, Grupo Profissional e o Município. Essa definição não exclui, no entanto, outros Grupos Naturais, os quais o próprio Plínio Salgado também viria a reconhecer.

Salgado escreveu que “a construção da nacionalidade deve ter por base o Homem e sua Família” [3], sendo que a existência do Homem, ligado à Família, é a razão da existência da propriedade, a qual garante a subsistência e a independência da Família, tanto em face dos outros Grupos Naturais e principalmente em face do Estado.

O Grupo Natural, representado pelo Grupo Profissional, decorre da Família e do direito de propriedade. É no exercício do seu oficio que o individuo obtém as condições materiais necessárias para a independência da Família e é no Grupo Profissional que o individuo ira se inserir para exercer seu ofício. Plínio Salgado assim definiu como se manifesta esse Grupo Natural:

“Para garantir esta subsistência e a propriedade adquirida ou a adquirir é que existe o direito ao Trabalho. Mas o direito ao Trabalho, com remuneração justa, não terá nenhuma garantia se os Trabalhadores não se reunirem segundo as categorias das suas profissões e identidade de interesses, pelo que existe o direito de associação, a qual deve ser livre, por que participa da liberdade do Homem” [4]

A existência destes dois Grupos Naturais leva à existência de um terceiro, que é o Município. É no Município que as Famílias e os Grupos Profissionais, entre outros Grupos Naturais, irão se reunir para viver e criar a vida social. É numa mesma localização geográfica que os primeiros Grupos Naturais irão encontrar sua base física para cumprirem, eles mesmos, as suas funções sociais.

Vale lembrar que conforme a visão orgânica da sociedade, quando tratamos aqui do Município, não estamos nos referindo à sua definição administrativa convencional, mas a sua definição enquanto Grupo Natural da sociedade, a qual vamos detalhar mais adiante.

Plínio Salgado explica que a reunião dos indivíduos num local geográfico, ainda que eles já estejam inseridos em outros Grupos Naturais, formam também um Grupo Natural distinto, pois se cria ali uma nova espécie de interesse comum. Nas palavras de Salgado:

“Todavia, os Homens vivem num determinado local, com suas Famílias e Grupos de Trabalho, e suas propriedades, reunião que cria uma nova espécie de interesse comum: o do bem estar dos que habitam aquele determinado trecho geográfico. Nasce daí o Município, e este deve ser autônomo em tudo quanto respeite aos seus peculiares interesses pois, se algum poder estranho os contraria, trará como conseqüência a abolição, ou mutilação da liberdade das pessoas, das famílias e dos grupos de trabalho.”[5]

Definidos estes grupos naturais, devemos agora olhar com maior interesse o Município, para tentar, finalmente, chegar à nossa analise sobre o sistema de voto distrital.

O Município como grupo natural

O Município, como Grupo Natural, deve ser livre e autônomo. Uma vez que é formado por Homens livres e Grupos Naturais livres, participa também, como Grupo Natural e como entidade política destas mesmas liberdades. Desta forma, o governo do Município deve ser exercido de forma democrática, por indivíduos compromissados com os interesses daquele local. Conforme escreveu Plínio Salgado, o governo do Município “deve ser exercido por pessoas escolhidas livremente, em eleições honestas, que exprimam a vontade dos habitantes locais”.

Os interesses dos Munícipes, independente de outros Grupos Naturais à que pertençam, são os mesmos em muitos dos seus aspectos cotidianos. Interesses de saneamento, condições de iluminação e limpeza são compartilhados pelos indivíduos que compartilham aquela mesma área geográfica. Salgado escreveu:

“Interesses comuns unem a todos os habitantes do Município, pois sendo moradores da mesma localidade, precisam, seja qual for a sua profissão, estado civil, religião, ou outras diferenciações, das mesmas comodidades, como sejam água, luz, esgoto, pontes, estradas e numerosos outros serviços, de higiene, assistência, instrução, polícia.” [6]

Desta forma, os habitantes da municipalidade devem possuir o direito de escolher livremente seus governantes, os quais estarão compromissados com as questões e interesses locais do Município. A existência de governantes não compromissados diretamente com o Município, impostos pela maquina eleitoral, atenta contra a liberdade do Município e, consequentemente, contra a liberdade do Ser Humano que o compõe. Plínio Salgado assim definiu:

“Se o Município não for autônomo e se os seus munícipes não escolherem livremente os seus governantes, também estará ameaçada a liberdade das famílias, dos grupos de trabalho, numa palavra, a própria liberdade do Homem. Mas a autonomia dos Municípios pode ser suprimida, na prática, e a organização do Estado for de tal forma que possa coagir os munícipes, de modo que sejam obrigados à votar, por ocasião das eleições, naqueles candidatos que os detentores do governo exigem que sejam eleitos.”[7]

Demonstra-se, portanto, que a autonomia do Município, como Grupo Natural, deve necessariamente ser refletida na questão de representatividade governativa.

Até esse ponto, já foi compreendido o conceito de Democracia Orgânica, como também a visão orgânica da sociedade. Com base nesses conceitos, foi demonstrado como o integralismo reconhece os Grupos Naturais chamados Família, Grupo Profissional e Município. Por fim, foi demonstrado como o integralismo reconhece a autonomia do Município, defendendo que a sua liberdade é a própria liberdade do Ser Humano e que essa autonomia e essa liberdade devem ser refletidas na representatividade governativa do Município.

Características que determinam a existência do grupo natural do Município.

Se observarmos alguns dos critérios estabelecidos por Plínio Salgado para identificar a existência do Grupo Natural “Município”, encontraremos basicamente duas características: as necessidades comuns dos habitantes que formam o Grupo Natural Municipal, que foram elencadas por Salgado, num rol exemplificativo como “água, luz, esgoto, pontes, estradas e numerosos outros serviços, de higiene, assistência, instrução” [8] e, além destas necessidades básicas de bem estar do cidadão, é necessário que os indivíduos que compõe aquele Grupo Natural dividam o mesmo espaço geográfico.

Assim, de forma resumida, a manifestação do Grupo Natural “Município“ pode ser identificada quando estão presentes estes dois aspectos: um grupo de pessoas que dividem o mesmo espaço geográfico e a existência de necessidades comuns de bem estar.

Distritos como manifestações do Grupo Natural “Município”

O grande crescimento urbano que vemos acontecer em todo o mundo e, em nosso caso, nas grandes cidades brasileiras, pouco a pouco transforma os bairros em pequenas cidades, com seus centros comerciais, com sua vida social, com suas necessidades básicas cada vez mais especificas e independentes dentro das grandes metrópoles.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, o bairro do Capão Redondo possui uma população de quase 270 mil moradores, maior que maioria dos municípios paulistas e brasileiros. Situado em uma região periférica e carente da capital paulista, possui necessidades extremamente específicas de saneamento, iluminação, pavimentação, limpeza urbana, etc., necessidades que são completamente diferentes das necessidades de outros bairros como Pinheiros ou Morumbi, por exemplo.

O Bairro do Grajaú, também na capital paulista, é outro grande exemplo dessa característica de “minicidades” que os bairros das grandes metrópoles estão adquirindo. Com uma população que ultrapassa os 360 mil habitantes, é maior que a maioria das cidades da América Latina.

E não é apenas na cidade de São Paulo, maior metrópole brasileira, que esse fenômeno pode ser observado. Em matéria pública no portal do MGTV, apontou-se que alguns bairros da cidade de Juiz de Fora também já adquiriam essa característica de “minicidades”. Descreve-nos a citada reportagem:

“Benfica é outro exemplo de bairro com características de cidade. É maior que muitos municípios da região. É onde está instalado o Distrito Industrial, responsável por 45% do ICMS arrecadado em Juiz de Fora. Uma verdadeira cidade com ruas movimentadas.

No local passam várias linhas de ônibus da região Norte. O bairro conta ainda com todo tipo de serviço: como cinco agências bancárias, biblioteca pública e comércio. Razões que levaram a diretora de marketing de um curso de língua estrangeira a instalar uma filial em Benfica.

Bairros com características de cidades são chamados subcentros porque não têm autonomia política, administrativa e fiscal. Porém, pela capacidade de geração de emprego, renda e moradia revelam sua importância e da cidade a que pertencem. ”[9]

Essa característica é potencializada quando deslocamos nossa observação da esfera dos bairros para a esfera dos distritos, os quais são formados por um conjunto de bairros próximos. O maior exemplo se observa no distrito do Campo Limpo que abrange os bairros do Campo Limpo, Capão Redondo e Vila Andrade, na capital Paulista. Esse distrito possui uma população de quase 610 mil pessoas.

Exemplo de situações como esta não faltam nas grandes cidades brasileiras, o que impulsiona os governos municipais a descentralizar a administração dos serviços prestados, desde a pavimentação de ruas, até as obras de limpeza urbana e saneamento, etc.

À medida que os distritos das grandes cidades se tornam cada vez mais independentes, cada vez mais diferenciados em suas necessidades básicas específicas, cada vez mais únicos em suas características comerciais e populacionais, podemos concluir que o Distrito, nas grandes cidades, podem ser considerados, por extensão da conceituação, uma manifestação do grupo natural “Município”, surgida em decorrência da expansão das cidades e a sua transformação em grandes metrópoles.

Se observarmos que as características básicas que nos permitem identificar a existência de um Grupo Natural Municipal são as mesmas características que hoje são identificadas nos Distritos das grandes cidades (compartilhamento do espaço geográfico e das necessidades de bem estar), podemos concluir que os Distritos também são uma espécie deste Grupo Natural.

Desta forma, ao assinalar que a autonomia é um direito do Município (forma original desta espécie de Grupo Natural) concluímos também que é um direito dos Distritos (forma secundária desta espécie de Grupo Natural).

Alem disso, se observarmos que existem diferenças enormes entre as necessidades de um distrito e outro, dentro da mesma metrópole, pode-se dizer que a metrópole possui menos características de Grupo Natural Municipal do que os seus próprios distritos.

O voto distrital como opção de Democracia Orgânica

Segundo o próprio Plínio Salgado, a autonomia do Grupo Natural Municipal depende, entre outros fatores, da livre escolha de seus representantes no governo, os quais serão os porta-vozes daquele Grupo Natural na respectiva assembléia ou congresso. Para Salgado, disso decorre a liberdade das Famílias, dos Grupos Profissionais e do próprio Ser Humano que compõe um determinado Município.

Uma legítima representação se dá através do compromisso do representante com as necessidades dos cidadãos que o elegeram. Em que pese o representante ter uma relativa autonomia em relação aos eleitores, aquele deve ter sempre em mente qual é o grupo ao qual seu trabalho no governo está atrelado.

O governo representativo é uma maneira de se nomear um ou mais indivíduos para se ocupar dos interesses do grupo, à medida que todos os integrantes do grupo natural não podem (ou mesmo não querem) exercer diretamente a atividade política. Bernard Manin, cientista político francês, definiu essa característica do governo representativo escrevendo:

“Nessas sociedades [modernas] os cidadãos não dispõe mais do tempo necessário para se ocupar constantemente dos negócios públicos. Sendo assim, eles precisam confiar o governo, por intermédio de eleições, a indivíduos que dediquem todo seu tempo a essa tarefa” [10]

De maneira simplificada, o sistema de voto distrital é um sistema de voto majoritário no qual um País, Estado ou Cidade é dividido em pequenos distritos com aproximadamente o mesmo número de habitantes. Cada partido indica um único candidato por distrito. Cada distrito elege um único representante pela maioria dos votos. Esse é um sistema em que cada membro da assembléia ou congresso é eleito individualmente nos limites geográficos de um distrito, pela maioria dos votos.

O Manifesto de Outubro de 32 (Manifesto Integralista) propôs que os cidadãos fossem inscritos em suas respectivas Classes Profissionais (Grupos Profissionais) e que cada Grupo Profissional deveria eleger seu representante. Está lá escrito que “cada brasileiro se inscreverá na sua classe. Essas classes elegem cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nos Congressos Provinciais e nos Congressos Gerais” [11].

Como já tratado, os Grupos Profissionais são uma das manifestações de Grupos Naturais à que o Ser Humano está ligado, sendo que o princípio que rege a Democracia Orgânica é o de representação ligada ao Grupo Natural. Como vimos, outra forma de Grupo natural é o Município (e em decorrência deste, o Distrito), assim podemos estender o princípio geral de representação ligada ao Grupo Natural para o Município ou Distrito, alem do Grupo Profissional.

Assim, como o voto distrital é um sistema em que um representante é eleito, por maioria de votos, pelos cidadãos que compõe aquele limite geográfico (que é uma das características citadas como identificadores do Grupo Natural “Município”), podemos concluir que o individuo eleito é o representante das necessidades e interesses daquele Grupo Natural perante a assembléia ou congresso (ou seja, perante o governo).

Ao adotarmos este ponto de vista, podemos concluir que o sistema de voto distrital pode ser considerado uma manifestação dos princípios de Democracia Orgânica, pois um Grupo Natural atua de forma autônoma para eleger um representante, o qual está atrelado aos interesses e necessidades daquele Grupo Natural.

É claro que esse artigo não esgota o assunto, podendo servir de ponto de partida para debates mais profundos. No entanto, com base nos argumentos aqui demonstrados, afirmo que não é incompatível com a doutrina integralista e com os princípios da Democracia Orgânica defender a implantação do sistema de voto distrital, principalmente e especialmente no âmbito municipal, como forma de aprimorar a democracia e o sistema eleitoral brasileiro.


[1] DURKHEIM, Emile. Regras do Método Sociológico. Editora Martin Claret, 2011, p. 116.
[2] DURKHEIM, Emile. Regras do Método Sociológico. Editora Martin Claret, 2011, p. 115.
[3] SALGADO, Plínio. Direitos e Deveres do Homem. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 247.
[4] SALGADO, Plínio. Direitos e Deveres do Homem. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 247.
[5] SALGADO, Plínio. Direitos e Deveres do Homem. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 247.
[6] SALGADO, Plínio. Direitos e Deveres do Homem. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 285.
[7] SALGADO, Plínio. Direitos e Deveres do Homem. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, pp. 285-286.
[8] SALGADO, Plínio. Direitos e Deveres do Homem. 2ª ed. In Obras Completas. 2ª ed., vol. V. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 285.
[9] Publicado MGTV Panorama. http://megaminas.globo.com/2010/05/ 29/bairros-de-juiz-de-fora-se-transformam-em-verdadeiras-minicidades. Acesso em 24/05/2012.
[10] MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 29. p.11. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/ rbcs_00_29/rbcs29_01.htm.
[11] Ação Integralista Brasileira. Manifesto de Outubro de 1932. Cap. II.